terça-feira, 16 de setembro de 2008

PRECONCEITO LINGUÍSTICO



No livro "Preconceito Lingüístico - o que é, como se faz?" o autor Marcos Bagno, defende com vigor a língua viva e verdadeiramente falada no Brasil.
Marcos Bagno diz que a língua é como um rio que se renova, enquanto a gramática normativa é como a água do igapó, que envelhece, não gera vida nova a não ser que venham as inundações.
Para superar os preconceitos lingüísticos, o autor começa por lembrar, catalogar e dissecar alguns mitos consagrados:
"A língua portuguesa apresenta uma unidade surpreendente" - o maior e mais sério dentre os outros mitos, por ser prejudicial à educação e não reconhecer que o português falado no Brasil é bem diversificado, mesmo a escola tentando impor a norma lingüística como se ela fosse de fato comum a todos os brasileiros. As diferenças de status social em nosso país, explicam a existência do verdadeiro abismo lingüístico entre os falantes das variedades não-padrão do português brasileiro que compõe a maior parte da população e os falantes da suposta variedade culta, em geral não muito bem definida, que é a língua ensinada na escola.
"Brasileiro não sabe português/Só em Portugal se fala bem português"- de acordo com o autor, essas duas opiniões refletem o complexo de inferioridade de sermos até hoje uma colônia dependente de uma país mais antigo e mais "civilizado". O brasileiro sabe português sim. O que acontece é que o nosso português é diferente do português falado em Portugal. A língua falada no Brasil , do ponto de vista lingüístico já tem regras de funcionamento, que cada vez mais se diferencia da gramática da língua falada em Portugal.
"Português é muito difícil" – para o autor essa afirmação consiste na obrigação de termos de decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós. No dia em que nossa língua se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil, é bem provável que ninguém continue a repetir essas bobagens.
"As pessoas sem instrução falam tudo errado" – Isso se deve simplesmente a uma questão que não é lingüística, mas social e política – as pessoas que dizem Cráudia, Praca, Pranta pertencem a uma classe social desprestigiada, marginalizada, que não tem acesso à educação forma e aos bens culturais da elite, e por isso a que língua que elas falam sofre o mesmo preconceito que pesa sobre elas mesmas, ou seja, sua língua é considerada "feia", "pobre", "carente", quando na verdade é apenas diferente da língua ensinada na escola. Assim, o problema não está naquilo que se fala, mas em quem fala o quê. Neste caso, o preconceito lingüístico é decorrência de um preconceito social.
"O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão" – O que acontece com o português do Maranhão em relação ao português do resto do país é o mesmo que acontece com o português de Portugal em relação ao português do Brasil: não existe nenhuma variedade nacional, regional ou local que seja intrinsecamente "melhor", "mais pura", "mais bonita", "mais correta" que outra. Toda variedade lingüística atende às necessidades da comunidade de seres humanos que a empregam. Quando deixar de atender, a ela inevitavelmente sofrerá transformações para se adequar à novas necessidades.
"O certo é falar assim porque se escreve assim" – o que acontece é que em toda língua mundo existe um fenômeno chamado variação, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico. A ortografia oficial é necessária, mas não se pode ensiná-la tentando criar uma língua falada "artificial" e reprovando como "erradas" as pronúncias que são resultados naturais das forças internas que governam o idiomas.
"É preciso saber gramática para falar e escrever bem" – Segundo Mário Perini em Sofrendo a gramática (p.50), "não existe um grão de evidência em favor disso; toda a evidência disponível é em contrário". Afinal, se fosse assim, todos os gramáticos seriam grandes escritores, e os bons escritores seriam especialistas em gramática.
"O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social" – esse mito como o primeiro são aparentados porque ambos tocam em sérias questões sociais. A transformação da sociedade como um todo está em jogo, pois enquanto vivermos numa estrutura social cuja existência mesma exige desigualdades sociais profundas, toda tentativa de promover a "ascensão" social dos marginalizados é, senão hipócrita e cínica pelo menos de uma boa intenção paternalista e ingênua.
O autor do livro descreve a existência de um círculo vicioso de preconceito lingüístico composto de três elementos: o ensino tradicional, a gramática tradicional e os livros didáticos. Na visão de Bagno, isso não funciona assim, "a gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do livro didático, cujos autores, fechando o círculo, recorrem à gramática tradicional como de fonte de concepções e teorias sobre a língua". “A maneira como o ensino é administrado tem sido estudada pelo Ministério da Educação e nos Parâmetros curriculares nacionais” reconhece que há "muito preconceito decorrente do valor atribuído às variedades padrão e ao estigma associado às variedades não-padrão, consideradas inferiores ou erradas pela gramática. Essas diferenças não são imediatamente reconhecidas e, quando são, é objeto de avaliação negativa. Bagno cita o quarto elemento como sendo os comandos paragramaticais, ou seja, todo esse arsenal de livros, manuais de redação de empresas jornalísticas, programadas de rádio e de televisão, colunas de jornal e de revista, CD-ROMS, "consultórios gramaticais" por telefone e por a afora, que é a "saudável epidemia" citada por Arnaldo Niskier.
De acordo com Bagno, o formidável poder de influência dos meios de comunicação e dos recursos da informática poderia ser de grande utilidade se fosse usado precisamente na direção oposta: na destruição dos velhos mitos, na elevação da auto-estima lingüística dos brasileiros, na divulgação do que há de realmente fascinante no estudo da língua.
Revista Nova Escola, maio de 1999.

Como eu falo? Como a minha fala se apresenta para o outro?

Depende do meio social e das pessoas (ouvintes). Tento me adquar ao outro. Como no poema de Oswald de Andrade "Vício na fala", onde podemos peceber as variações linguísticas existentes na sociedade brasileira e sentir a crítica social feita pelo autor.

VÍCIO NA FALA

Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados